8 de ago. de 2009

Da Lama ao Caos

Nunca fui fã da música de Chico Science & Nação Zumbi, quando seu líder era ainda vivo. Na verdade, mal conhecia o grupo, a não ser por ouvir nas rádios esporádicas vezes a música Maracatu Atômico. Só agora portanto percebo a perda que a música brasileira teve com a morte deste genial músico. Agora, ao ouvir os dois CDs que ele deixou, é que consigo entender a profundidade de sua mensagem, de seu movimento, o Mangue Beat, e do legado que ele nos deixou. A união do Rock ao Maracatu, a influência do moderno, do Pop, com o regional, com o popular, o Maracatu, o Baião, isto é o que representa a música de Chico Science, além de mostrar a vida dos cidadãos pobres do mangue, da lama do Recife, e as mazelas desta cidade, uma cidade de contrastes, que convive com a opulência ao lado da miséria. É neste sentido que entendo a música do grupo Naçao Zumbi, como defensora de um estilo que é o nosso, ou seja, nem um estilo popular, nem um estilo moderno, mas uma mistura de ambos, uma fusão, isto é o que a globalizaçao nos causou. Em homenagem a este grande gênio, vou publicar agora um artigo que escrevi para as aulas de história do brasil, que consistia em analisar a música inserida no contexto urbano em que vivemos.


"A Biodiversidade do Mangue e a Revolução Musical de Chico Science

Nos últimos 20 anos o efeito Globalização vem cada vez mais penetrando na sociedade brasileira em todos os seus níveis. Aparentemente o que este projeto propõe é a massificação de todos os indivíduos em torno de culturas globais, ficando assim mais fácil de serem atingidos pela mídia. A aniquilação do individualismo e do regionalismo seria o resultado obvio deste projeto.

Ao analisarmos porem projetos musicais como o que faz o grupo Nação Zumbi, liderados por Chico Science, percebemos que tal massificação não conseguiu aniquilar com as culturas regionais no Brasil, e agora o que ela tenta fazer é justamente o contrario, ou seja, absorver estas culturas e comercializá-las. É o que acontece por exemplo com grupos regionais como Mestre Ambrósio e Cordel do Fogo Encantado, que conseguem fazer música de raiz no meio do caos urbano.

Mas em alguns casos, esta influencia globalizante ao se deparar com o regionalismo acaba produzindo interessantes fusões musicais. É o caso do Nação Zumbi, que vai muito mais alem do que resistir à massificação; ele incorpora os elementos modernos ao som regional; as guitarras distorcidas do Rock são aliadas com a batida do Maracatu, resultando num som único e bastante interessante. Esta é, portanto, a primeira característica a ser destacada na música de Chico Science: a aglutinação. Não se trata de um grupo de resistência à massificação, mas sim um grupo que mostra que e possível aliar diversas influencias e aproveita para fazer uma revolução musical criando assim um novo estilo: o chamado Mangue Beat.


Esta expressão representa bem o projeto do grupo. O Mangue é a vegetação típica de Pernambuco, a lama onde vivem os caranguejos, e de onde muitos homens tiram seu sustento. Beat é a batida forte da música, do Rock, do Maracatu, que se fundem na música do grupo. Trata-se, portanto, não só de uma revolução musical, mas também de uma atitude critica em relação aos problemas vividos pela cidade do mangue: Recife.

O símbolo deste movimento é uma antena parabólica enfiada na lama. A antena representa a informação, a globalização e sua influencia nas periferias das grandes cidades, principalmente através da TV. O grupo vem de um bairro periférico da cidade de Recife, tratam-se de garotos pobres que buscam seu espaço. Ao contrário do que afirma Maria Rita Kehl em seu artigo, porém, o grupo não faz uma crítica à TV, apenas a utiliza como elemento central na formação do pensamento desta periferia, que vive às voltas com o elemento moderno, simbolizado pela TV, pela antena parabólica, e com o elemento regional, representado pela lama, o mangue, os caranguejos. São estes dois elementos que se fundem na proposta do grupo.

Para entendermos esta proposta o elemento chave é a cidade de Recife. Trata-se de uma cidade de opostos, onde a opulência convive lado a lado com a miséria. Este é um dos pontos mais tratados na musica do Nação Zumbi. Recife é considerada hoje a cidade mais violenta do Brasil, e a 4º pior cidade do mundo, como eles afirmam em uma de suas músicas:

"É só uma cabeça equilibrada em cima do corpo
Escutando o som das vitrolas, que vem dos mocambos

Entulhados a beira do Capibaribe

Na quarta pior cidade do mundo

Recife, cidade do mangue

Incrustada na lama dos manguezais

Onde estão os homens caranguejos"
A Biodiversidade do mangue se torna aqui uma das palavras-chave. A convivência do moderno com o periférico, o popular. Chico Science está no meio de tudo isto. Ele é o resultado desta fusão, e isto se reflete nas músicas da Nação Zumbi. Isto é o movimento Mangue Beat, uma simbiose entre o moderno e o popular. Não possuem eles um caráter nacional, mas sim uma ponte entre o regional e o global. Trata-se de uma rede, um cruzamento de muitas referências.
Ao contrário do que se poderia se pensar porém, o Mangue Beat não se trata de um projeto de articulação política. Trata-se, sim, ao contrário do que afirma Maria Rita , de um pensamento crítico a respeito de si mesmo e, mais ainda, da busca de uma identidade para o jovem nascido entre estas duas influências, o moderno e o regional. A auto-afirmação enquanto indivíduos andróides, metade caranguejos metade maquinas, está presente em varias musicas ao longo da obra da Nação Zumbi.

A afirmação destes garotos de periferia se dá enquanto "caranguejos com cérebro", com o caranguejo representando os homens que vivem no mangue, na lama do Recife. Seria então uma afirmação da identidade regional, mas já influenciada por elementos urbanos. Como uma das principais musicas do grupo afirma, eles vivem numa Manguetown.

Maria Rita em seu artigo levanta uma questão importante que é a de sabermos até que ponto as condições do meio influenciam a vida das pessoas, como por exemplo as pessoas que vivem no Sertão, em que a seca determina sua visão de mundo, seus costumes, etc. No caso do Nação Zumbi, este fato pode ser comprovado por esta importância já destacada que tem o Mangue em suas letras. A revolução musical de Chico Science, ao lado de outros movimentos que surgem em várias partes do pais é portanto, uma afirmação da identidade simbiótica destes indivíduos, resultado da fusão do global com o regional, uma ponte entre estes dois mundos, aparentemente inconciliáveis, mas que demonstra poder dar bons frutos.
Referências Bibliográficas

KEHL, Maria Rita. Da Lama ao Caos: a invasão da privacidade na música do grupo Nação Zumbi. In EISENBERG, José; STARLING, Heloísa Maria Murgel e CAVALCANTE, Berenice. "Decantando a Republica, V. 3: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira". Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.


Referências Discográficas


CHICO SCIENCE & NAÇAO ZUMBI. Afrocyberdelia. Rio de Janeiro: Chaos/Sony Music, p1996. 1 CD.


_____________. Da Lama ao Caos. Rio de Janeiro: Chaos/Sony Music, p1994. 1 CD."

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